Notas de estuda sobre a Revolução Francesa, iniciada em 1789, e a era napoleônica na França.
A Crise do Antigo Regime e o Início da Revolução Francesa
No Antigo Regime, antes da Revolução Francesa, a França era uma monarquia absolutista marcada por forte desigualdade social. A sociedade era dividida em três estados, com raríssimos casos de ascensão social:
- Primeiro Estado: o alto clero, composto por bispos e arcebispos, quase sempre de origem nobre.
- Segundo Estado: a nobreza, que tradicionalmente se considerava responsável pela proteção militar do reino. Dividia-se entre a nobreza de espada, formada pela aristocracia guerreira – que, no século XVIII, vivia sobretudo na corte, no caso da nobreza cortesã, ou em grandes propriedades provinciais, no caso da nobreza provincial –, e a nobreza togada, formada por burgueses enriquecidos que compravam cargos públicos hereditários, principalmente na magistratura.
- Terceiro Estado: a imensa maioria da população — camponeses, trabalhadores urbanos, pequenos burgueses e também o baixo clero, formado por padres de origem humilde. Era o único estado responsável pelo pagamento de impostos.
O Primeiro e o Segundo Estados eram isentos de tributos, vivendo às custas do Terceiro Estado, que pagava uma série de impostos, como a talha, a corveia, as banalidades (esses três com origem medieval), o dízimo eclesiástico e, em algumas regiões, resquícios como a mão-morta. Nas cidades, artesãos e trabalhadores urbanos também viviam em grande pobreza. Muitos recebiam o apelido de sans-culottes, pois não usavam a calça justa (culotte) usada para montar, típica dos nobres, mas calças compridas comuns.
Enquanto isso, a burguesia — formada por comerciantes, banqueiros, funcionários públicos, profissionais liberais e intelectuais, muitos influenciados pelo Iluminismo e leitores da Enciclopédia — ganhava força econômica, mas não possuía direitos políticos proporcionais à sua influência. Alguns burgueses podiam ascender à condição de nobreza togada mediante compra de cargos públicos, mas era uma exceção.
Ao mesmo tempo, o capitalismo avançava. O comércio com o Oriente, a África e as Américas enriquecia banqueiros e comerciantes; indústrias e manufaturas cresciam; e a agricultura começava a adotar práticas capitalistas. Grandes proprietários — ainda em sua maioria nobres, mas com participação crescente da burguesia — ampliavam suas terras e expulsavam camponeses, intensificando tensões sociais e, somadas a crises agrícolas, provocando desemprego, fome e ondas de revoltas rurais conhecidas como jacqueries.
A crise se agravou com o endividamento da monarquia, devido ao luxo da corte e ao apoio francês à Independência dos Estados Unidos. O ministro Calonne propôs taxar o clero e a nobreza, mas estes rejeitaram a ideia. Diante da crise política e financeira, o rei Luís XVI convocou os Estados Gerais em 1789 — algo que não acontecia havia quase dois séculos.
Embora o Terceiro Estado tivesse mais representantes, o voto era por ordem, não por cabeça, o que mantinha o poder com o clero e a nobreza. Após conflitos intensos, os representantes do Terceiro Estado se declararam Assembleia Nacional, reivindicando o direito de legislar. Em julho de 1789, o povo de Paris tomou a Bastilha, uma prisão política símbolo do absolutismo.
A revolução se espalhou pelo interior. Camponeses invadiram castelos, tomaram celeiros e queimaram livros de registros dos impostos que eles pagavam. A Assembleia Nacional Constituinte aboliu a servidão, extinguiu direitos feudais e promulgou, em agosto de 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, afirmando direitos como liberdade, propriedade e livre manifestação das opiniões. Também confiscou terras da Igreja, vendidas sobretudo a burgueses; os camponeses pobres continuaram sem terra.
Em 1790, a Constituição Civil do Clero transformou padres em funcionários do Estado. Quem jurou a Constituição tornou-se parte do clero juramentado; os que se recusaram foram chamados de clero refratário, sofrendo perseguições e, muitas vezes, exílio. Muitos nobres também emigraram, com dinheiro e joias, buscando apoio de monarquias estrangeiras para deter a revolução.
Em 1791, a França tornou-se monarquia constitucional, extinguindo o absolutismo e os privilégios aristocráticos. Porém, instituiu-se o voto censitário: apenas homens com renda podiam votar. Mulheres, pobres, trabalhadores urbanos e camponeses (cerca de 85% da população) foram excluídos dos direitos políticos. A burguesia ganhou maior influência, proibindo greves e sindicatos.
Radicalização e Guerra
Monarquias europeias temiam o contágio revolucionário. A Áustria e a Prússia ameaçaram intervir, e em 1792 a França declarou guerra. Nesse contexto, o rei, já desacreditado após sua tentativa de fuga em Varennes (1791), foi preso. No mesmo ano, a vitória francesa na Batalha de Valmy empolgou os patriotas, e A Marselhesa — hino composto pouco antes para voluntários marselheses — tornou-se símbolo popular.
A Assembleia transformou-se em Convenção Nacional e proclamou a República. O calendário tradicional foi abolido e criou-se um calendário revolucionário, com meses inspirados nas estações do ano, marcando o início de “uma nova era”.
Conta-se que um aristocrata, chamado marquês de São Januário (marquis de Saint-Janvier), foi se apresentar ao novo governo. Quando ele informou seu nome, lhe responderam rispidamente que: não havia mais marqueses, porque os títulos tinham sido abolidos; não havia mais a partícula “de”, porque ela indicava nobreza; não havia mais “São”, porque a revolução era laica; não havia mais Januário, pois o calendário havia sido trocado. Então, o homem foi renomeado como Cidadão Nevoso (citoyen Nivòse), já que janeiro correspondia ao mês das neves, no novo calendário.
Na Convenção, destacaram-se três grupos políticos:
- Girondinos: republicanos moderados, contrários à radicalização popular.
- Jacobinos (ou Montanha): mais radicais, apoiados pelos sans-culottes; defendiam governo central forte e sufrágio universal masculino.
- Planície: grupo oscilante, apoiando ora um lado, ora outro.
O destino de Luís XVI dividiu a Convenção. Quando se descobriu correspondência sua com potências estrangeiras, a maioria votou por sua execução. Em janeiro de 1793, Luís Capeto — como passou a ser chamado — foi guilhotinado publicamente.
A Fase Jacobina e a Defesa da Revolução
Após a execução do rei, Áustria, Prússia, Holanda, Espanha e Inglaterra formaram a Primeira Coalizão contra a França. Em Paris, sans-culottes cercaram a Convenção e depuseram os girondinos, colocando os jacobinos no poder.
Instaurou-se um governo revolucionário fortemente centralizado. O principal órgão foi o Comitê de Salvação Pública, responsável pela defesa interna e externa da República. Subordinado a ele, o Tribunal Revolucionário julgava acusados de conspiração contrarrevolucionária. A repressão intensificou-se com a Lei dos Suspeitos (1793), que ampliou enormemente o número de pessoas passíveis de prisão, permitiu julgamentos sumários e suspendeu garantias individuais, dando início ao regime conhecido como Terror.
Entre os direitos suprimidos estava o da ampla defesa. Denúncias anônimas ou pessoais — muitas vezes motivadas por vinganças locais — levavam cidadãos à prisão e à guilhotina, quase sem que fossem ouvidos. A atmosfera de suspeita era tão intensa que até casos triviais tornaram-se fatais: um exemplo célebre é o do papagaio “Jacot”, que repetia a frase “Vive le roi!” (“Viva o rei!”), levando seu dono a ser preso e executado como suposto contrarrevolucionário.
Outras medidas jacobinas para salvar a revolução foram:
- levée en masse: mobilização nacional e serviço militar obrigatório para jovens
- Lei do Máximo, tabelando preços e regulando salários para evitar fome e especulação
- abolição da escravidão nas colônias francesas (1794)
- planos para educação pública e obrigatória, iniciados, mas plenamente consolidados apenas depois
Essas medidas buscavam defender a Revolução, enfrentar crises sociais e resistir às potências estrangeiras.
Enquanto isso, um jovem oficial, Napoleão Bonaparte, ganhava destaque ao comandar forças revolucionárias contra as potências estrangeiras e reprimir levantes monarquistas internos. No oeste da França, a região da Vendeia, profundamente católica e monarquista, rebelou-se contra a Revolução, sobretudo após perseguições ao clero refratário e o recrutamento militar obrigatório. A repressão jacobina foi severa.
No entanto, o uso crescente da violência durante o Terror provocou desgaste popular. As pessoas ainda temiam A Revolução viveu duas fases religiosas opostas: primeiro surgiram cultos racionais e ateus, como o Culto da Razão; depois, Robespierre instituiu o Culto do Ser Supremo, inspirado em ideias de Rousseau. Sua postura moralizante e sua crescente desconfiança de aliados, somadas aos julgamentos sumários e execuções, acabaram isolando-o politicamente e contribuíram para sua queda em 1794.